Uma das minhas primeiras lembranças com o mundo da arte, foi com quadrinhos, creio que tinha meus 6 ou 7 anos. Talvez esse tenha sido a porta de entrada de todas as crianças de minha época. Lembro que peguei um caderno, daqueles que a prefeitura distribuía nas escolas, era um caderno pequeno, na capa tinha a foto do prédio da prefeitura da minha cidade e na contracapa tinha sempre o hino nacional. Foi nesse caderno que comecei a fazer os primeiros rabiscos e construir as minhas próprias estórias em quadrinhos.
Anos mais tarde, sem os desenhos em quadrinhos, mas sendo um bom leitor, na aula de português, me deparei com um texto que me mudou profundamente e que me jogou ainda mais querer ir para o mundo das artes, esse texto era “A última crônica” de Fernando Sabino. A estrutura do texto, a forma de contar o ocorrido, a sutileza da observação, isso tudo me chamou a atenção para o que considero uma arte, a escrita. Fernando Sabino tornou-se o meu escritor mineiro favorito. Desde então, comecei a escrever e a criar as minhas próprias estórias, minhas crônicas e contos que, até o momento não foram publicadas, mas chegará o momento certo para isso.
Mas o divisor de águas ocorreu o início dos anos 2000. Lembro perfeitamente o momento. Sempre ouvia falar do Vale do Jequitinhonha e sua miséria, mas nunca tinha presenciado nada de realidade no vale, apesar de morar às portas dele, não o conhecia de fato. Mas nesse dia eu estava indo pela primeira vez à cidade de Itinga.
Entre Itaobim e Itinga, o povoado de Pasmado brota à frente do veículo. Em ambos os lados da estrada haviam barradas de madeira e lona onde eram vendidos artesanatos em cerâmica, a grande maioria eram objetos utilitários como potes e panelas de cerâmica, e poucos decorativos como vasos, esculturas de animais e pessoas.
Essa “travessia” no povoado de Pasmado não durava um minuto, mas para mim, o tempo parou e meus olhos congelaram em minha mente cada detalhe, detalhes esses que ainda posso ver bem a minha frente. Ali percebi, que apesar da pobreza e toda miséria, a arte era uma forma de escape e naquele contexto, era uma forma de escape da pobreza, a miséria coexistia com uma riqueza cultural imensa. O barro, material disponível na natureza, ignorado, sinônimo de humilhação em composição frasal – Jogado na lama, sapato sujo de barro, etc -, ali se transformava na ponta de lança que poderia afugentar a fome. Depois disso, minha relação com o Vale do Jequitinhonha ficou mais forte a cada ano, formando laços com seus moradores e grandes amizades, como tenho com o mestre Ulisses Mendes.
Assim como aquela cena ficou registrado em minha memória, o desejo de eternizar aquelas imagens crescia dentro de mim.
Anos mais tarde, em 2008, voltei a Pasmado com uma câmera pequena (pocket camera) e sem nenhuma técnica, apenas com o desejo de registrar o que via. Nascia aí o desejo do registro fotográfico, a mágica de poder congelar no tempo um momento específico que nunca mais voltaria se repetir da mesma forma, ou como diria Heráclito: “Não se entrar duas vezes no mesmo rio”. Mas a oportunidade de materializar esse desejo só veio muitos anos depois. O que posso marcar nessa história, é só a data de início, mas não a data do fim.